Transplante de Córnea
A maioria das pessoas quando são informadas que precisam de um transplante de córnea ficam, compreensivelmente, preocupadas e aflitas. Elas não sabem o que esperar em termos de recuperação da visão, dor, possibilidade de rejeição e manejo no pós operatório. Não se preocupe, você não está sozinho(a). Esse texto visa esclarecer algumas dúvidas MUITO comuns e importantes com relação ao transplante de córnea.
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O que é o transplante de córnea?
O transplante de córnea é uma cirurgia na qual se utiliza um tecido doado (córnea) para substituir toda ou parte da córnea de um paciente. É, de longe, o transplante mais realizado e mais bem sucedido na prática médica. Ao contrário dos outros transplantes de órgãos e tecidos, a imensa maioria dos pacientes não necessitam de serem submetidos a imunossupressão. Na maioria das vezes, colírios são utilizados em doses pequenas (e muitas vezes por um tempo limitado) para inibir qualquer reação imunológica de rejeição. A córnea é um tecido avascular, isto é, não tem nenhum vaso sanguíneo em sua estrutura. Por isso, apresenta um privilégio imune no qual o tecido não é identificado como estranho pelo paciente que a recebe.
Quais doenças precisam de transplante de córnea?
Muitas doenças da córnea podem eventualmente evoluir para necessitarem de um transplante de córnea. Normalmente ocorre a perda da transparência ou a deformação de sua estrutura causando baixa de visão que não é possível melhorar com óculos ou lentes de contato. Algumas das causas mais comuns de transplante de córnea são o ceratocone, a distrofia de Fuchs, a ceratopatia bolhosa entre outras.
De onde vem as córneas doadas?
A perda de um ente querido é uma situação devastadora. Entretanto, a doação das córneas e outros órgãos é uma atitute que pode minimizar a dor da perda com o sentimento de continuidade da vida. As córneas doadas são captadas por equipes treinadas nos hospitais ou centros médicos após a autorização da família do doador. É coletado também sangue do doador para pesquisa de várias doenças que poderiam ser transmitidas como a AIDS e Hepatite B e C entre outras. As córneas seguem então para o banco de olhos onde são processadas, preservadas e analisadas criteriosamente para assegurar a sua qualidade. Somente após a liberação do tecido com qualidade garantida e da sorologia negativa (pesquisa de doenças potencialmente transmissíveis no doador) essa córnea é ofertada para ser usada em cirurgia de transplante de córnea. A córnea pode ser utilizada até 2 semanas após a sua doação. A captação, coleta, preservação, processamento, armazenamento e distribuição das córneas em Minas Gerais são controlados pelo MG Transplantes, autarquia estadual responsável pelo controle de todos transplantes de órgãos e tecidos no estado.
Antes da cirurgia
Antes da cirurgia, em consultas pre-operatórias, são feitos vários testes específicos para se avaliar a necessidade do transplante de córnea. Depois de esclarecidas todas as dúvidas, é feito o cadastro na fila geral de transplantes de órgãos e tecidos do estado. Em Minas Gerais, essa fila pode durar de 3 a 9 meses. Uma vez disponibilizado o tecido, seu médico entrará em contato com você para informa-lo(a) e agendar a cirurgia. Podem ser necessários que se use alguns colírios antibióticos e antiinflamatórios no dia da cirurgia ou até alguns dias antes. Converse com seu médico a respeito de jejum para o dia da cirurgia.
Após a cirurgia
A maioria dos pacientes queixam-se de irritação ou sensação leve de areia nos olhos por alguns dias após a cirurgia. Coceira e sensibilidade a luz são também queixas frequentes. Todas essas queixas tendem a desaparecer nos primeiros 7 a 10 dias. Não é esperado que se sinta dor forte nos olhos em nenhum momento após a cirurgia. Se a dor não melhorar com analgésico comum (como Tylenol® ou Novalgina®), o médico deverá ser informado. A volta as atividades habituais geralmente ocorre após uma semana da cirurgia. A melhora da visão é gradativa e depende da técnica de transplante utilizada, do número de pontos dados, da gravidade do quadro inicial e de alguma doença associada. Geralmente, imediatamente após a cirurgia, a visão é um pouco melhor do que antes. Entretanto, o resultado visual final só é possível de se apreciar 6 a 12 meses após a cirurgia.
Restrições pós operatórias
A principal recomendação no pós operatório é evitar qualquer tipo de trauma aos olhos. Isso inclui as próprias mãos. Portanto, é proibido levar as mãos na direção dos olhos após a cirurgia. Além do trauma mecânico, as mãos são geralmente contaminadas e qualquer infecção no transplante pode ser potencialmente grave. Você irá usar uma proteção de plástico sobre o olho operado a noite para evitar que encoste o olho no travesseiro inadvertidamente. O seu médico irá dizer quando é seguro para de usar essa proteção. Exercícios físicos intensos devem ser evitados por pelo menos 1 mês e atividades em piscinas ou saunas por pelo menos 3 meses. Abaixar a cabeça além da cintura, carregar ou levantar peso devem ser também evitados. Mas, novamente, a principal recomendação é a de proteção. Use sempre o protetor a noite e óculos de proteção (qualquer tipo) durante o dia.​
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Principais Técnicas Cirúrgicas
A córnea é uma estrutura com 5 camadas distintas. De fora para dentro elas se dividem em epitélio, membrana de Bowman, estroma, membrana de Descemet e endotélio.
Cada uma dessas camadas pode ser afetada por doenças específicas e em alguns casos, a substituição seletiva da camada doente, permite um melhor resultado cirúrgico. A seguir discutiremos sobre as principais técnicas operatórias utilizadas no transplante de córnea.
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Transplante Penetrante
O transplante penetrante é a técnica mais antiga da cirugia do transplante de córnea. Nessa técnica, todas as camadas da córnea do paciente são substituídas pelas do tecido doado. São usados geralmente 16 pontos para fixar a córnea doada no olho do paciente. Esses pontos devem ser removidos por volta de 12 meses após a cirugia. Nessa técnica, a recuperação visual é mais lenta podendo levar de 12 a 24 meses para que a melhora da visão seja estabelecida. Em até 50% dos casos, pode ser necessário o uso de lentes de contato rígidas após a cirurgia para correção do grau residual. Embora esteja em desuso atualmente, o transplante penetrante ainda é utilizado em casos nos quais a doença inicial acometa todas as camadas da córnea.
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DALK
A sigla corresponde ao acrônimo inglês Deep Anterior Lamelar Keratoplasty. Nessa técnica, as camadas mais externas da córnea são substituídas pelas do tecido doado. As principais indicações dessa técnica são o ceratocone e as cicatrizes e opacidades anteriores da córnea. A vantagem dessa técnica em relação ao transplante penetrante se dá pela preservação das células mais internas (endotélio) da córnea do paciente mantendo o olho mais resistente e diminuindo muito as chances de rejeição. São também usados pontos para fixar a córnea doada no olho do paciente mas esses pontos geralmente são retirados mais precocemente que os do transplante penetrante. A melhora da visão é também gradual mas geralmente ocorre mais rapidamente que no transplante penetrante. Pode também ser necessário o uso de lentes de contato rígidas para correção do grau residual nesses casos.
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DSAEK
A sigla corresponde ao acrônimo inglês descemet stripping automated endothelial keratoplasty. Essa técnica é utilizada quando a doença inicial acomete as camadas mais internas da córnea e somente essas camadas são substituídas. As principais indicações são a distrofia endotelial de Fuchs e a ceratopatia bolhosa. Ambas doenças levam a um inchaço da córnea que causa baixa da visão progressiva. A primeira é devido a um envelhecimento prematuro da córnea em uma condição que é transmitida geneticamente. A segunda geralmente ocorre após alguma cirurgia intraocular prévia. O DSAEK é feito através de incisões pequenas (+/- 4mm) e geralmente são utilizados pontos somente para fechar essas incisões. Esses pontos são removidos, normalmente, 1-3 meses após a cirurgia. O transplante é fixado incialmente com uma bolha de ar que “empurra" o tecido transplantado até ser incorporado à córnea do paciente. Após a cirurgia, o paciente deve permanecer deitado de barriga para cima por aproximadamente 2 horas para que essa bolha de ar consiga segurar o transplante no lugar correto. A principal vantagem dessa técnica se dá pela troca exclusiva das camadas doentes da córnea preservando a integridade do olho e possibilitando uma melhora visual mais rápida, geralmente 6 meses após a cirurgia.
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DMEK
A sigla corresponde ao acrônimo inglês descemet membrane endothelial keratoplasty. Essa é a técnica mais moderna de transplante de córnea e caracteriza-se por substituir apenas as células mais internas da córnea (endotélio). Nessa técnica, o tecido doado (uma camada fina de espessura aproximada de 50 milésimos de um milímetro) é inserido no olho do paciente dobrado através de incisões minúsculas (pouco mais de 2mm). Uma vez dentro do olho, é utlizado uma bolha de ar para abri-lo e segura-lo no lugar correto até que seja incorporado à córnea do paciente. Não são necessários pontos e a recuperação visual nessa técnica é bem mais precoce. Geralmente a visão final é atingida 3 meses após a cirurgia podendo ser notado uma melhora visual até mesmo antes disso. Como se trata de um tecido extremamente fino e frágil, seu manuseio deve ser feito de forma criteriosa e podem ser necessárias novas aplicações de ar no pós operatório. Essa técnica é utilizada principalmente em quadros mais iniciais de doenças que levam a um inchaço da córnea como a distrofia endotelial de Fuchs e a ceratopatia bolhosa.
Dr. Bruno Cançado Trindade participa do projeto
Donate Life na Austrália
Em uma iniciativa do governo Australiano para estimular a doação de órgãos e tecidos em parceria com o fotógrafo Andrew Chapman, essa campanha busca mostrar os detalhes envolvidos nas cirurgias de transplantes de órgãos.